Porque a vida merece ser "degustada"


A feliz e encantadora silly season...

16-08-2017 09:10

Ontem foi mais um daqueles dias de coração cheio. Uma manhã passada na praia dos Salgados e um final de tarde e noite passados na Feira Medieval de Silves. Um dia fabulosamente bem preenchido e soberbamente bem gozado.

Na praia, aquele mar e céu azuis sempre enamorados, em Silves um anoitecer formidável, com uma temperatura morna, com imensos petiscos medievais divinais, em ambiente de festa contagiante, onde milhares brindavam ao verão e aos bons sentimentos. A Feira Medieval de Silves decorre entre 11 e 20 de agosto de 2017, no centro histórico desta cidade algarvia. São 10 dias de recriação histórica do período medieval da antiga capital do Reino do Algarve. Elementos como a dança, a música e a poesia estão presentes, mostrando a vitalidade e a diversidade das artes no quotidiano árabe medieval e dando a conhecer uma cidade vibrante no que à cultura e às artes diz respeito.

Entre as 18h00 e a 01h00 os visitantes têm a oportunidade de viver aventuras únicas, experiências memoráveis que os farão regressar a outras épocas, aos tempos áureos em que Silves era a capital do Al-Gharb.

O meu repasto foi um delicioso crepe salgado com legumes, queijo e fiambre, acompanhado por uma sangria de frutos silvestres. Como sobremesa, um waffle de chocolate preto. No entanto, como éramos 15 pessoas, na mesa também pairou as papas de milho, as telhas com mista de carne e a sopa da pedra. A moeda da noite era o xilb.

Nesta edição da Feira Medieval de Silves, sob o tema "Ibn Ammar, de Poeta a Vizir", será retratado um período da história da cidade que ocorre na segunda metade do século XI, época em que a Xilb, até aí reino independente, perde a sua autonomia e é inserida no reino Taifa de Sevilha. É um período de alguma acalmia interna mas marcado por episódios de confronto com outros estados que o forte reino de Sevilha pretendia aglutinar. 

Silves teve como governante Al-Mut’amid, o célebre rei poeta, tendo-se-lhe seguido Ibn Ammar, seu amigo de longa data, tão dotado para a poesia como para a política e uma das figuras mais marcantes da história do nosso território.

Nascido em Xanabûs (S.Brás de Alportel), no seio de família extremamente humilde, cedo sente vocação para as letras pelo que se transfere para Silves, para na sua grande mesquita receber os ensinamentos básicos, sabendo-se que se fez transportar no seu burrito. Dizem-nos as fontes históricas que terão chegado após mais de seis horas de viagem, famintos e sedentes, tendo de imediato procurado forma de se saciar. Trata-se de episódio marcante, pois quem naquele dia o satisfez com um saco de cevada será mais tarde compensado com um saco de moedas. É, contudo, incontornável apresentá-lo como um ser algo perverso, sempre pronto a trair, usando a sua inteligência, astúcia, encanto e preparação intelectual para satisfazer uma ambição desmedida.

Figura central e incontornável de uma das cidades mais esplendorosas do Gharb al-Andalus, XILB -, é absolutamente indissociável de Al-Mut’amid, com quem trava conhecimento na corte de Sevilha. Ibn Ammar é um homem de letras mas também um hábil diplomata, tornando-se imprescindível ao rei de Sevilha, que coadjuva no desenho da sua estratégia politica e militar. Mantém com este uma relação de amizade, que materializa em prazeres desmedidos, na corte palaciana da cidade de Silves, certamente que no tão evocado Palácio das Varandas. Com a ida de Al-Mut’amid para Sevilha, Ibn Ammar torna-se vizir da Xilb mas continua, de forma preponderante, a auxiliar a empresa expansionista do reino abádida. A personalidade de Ibn Ammar, mais ou menos bem caracterizada através das fontes históricas, na qual a sua imensa produção literária, enquanto veículo de emoções e sentimentos, tem um peso fundamental, está longe, todavia, de ser consensual. A sua vida pessoal, sempre intimamente ligada a Al-Mut’amid, encontra-se povoada de episódios de camaradagem, amizade incondicional, amores e desamores, caprichos, intrigas e traições, tendo sido, ao longo dos tempos, motivo para alguma produção literária e alguma especulação.

São dados a conhecer os episódios mais marcantes da vida de Ibn Ammar, desde o seu nascimento em 1031; passando pelos tempos felizes vividos em Silves - altura em que com Al-Mut’amid se deleitava no remanso do rio (Arade) preso nos jogos do amor -; também pelo célebre jogo xadrez com Afonso VI de Castela, chegando até à sua premunida morte às mãos do amigo, após ter sido preso e leiloado.

Deixo-vos agora um excerto da bela poesia de Ibn Ammar:

“Perdoa e ganhará o amor

Um outro realce, outra beleza.

É que se punires será o rancor

A tomar mais evidência e mais clareza.

(…)

Perdoa! O que partilhámos me redime.

Nos espaços perfumados de Allah

Apaga os vestígios do meu crime!

Venha da clemência o teu soprar

E tudo enfim desaparecerá.

(…)

Que, se eu morrer, fique contigo

Uma réstia de consolação.

Morrerei mas levarei comigo

A violência toda da minha afeição.” 

Poema escrito na prisão por Ibn Ammar a Al Mu’tamid

 

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